“Quem de
vós, querendo fazer uma construção, antes não se senta para calcular os gastos
que são necessários, a fim de ver se tem com que acabá-la? Para que, depois que
tiver lançado os alicerces e não puder acabá-la, todos os que o virem não
comecem a zombar dele, dizendo: Este homem principiou a edificar, mas não pode
terminar”.
Lc 14, 28-30
Lc 14, 28-30
Minha relação com a Região de Pedra Azul de Aracê começou em
2005 quando passei um fim-de-semana na região, hospedado em frente à Pedra do Lagarto;
da minha janela admirava a variação de nuances, o encobrir e desvelar-se pelas
nuvens o monumental monólito. Desde então muitos fins de semana, visitas e bons
momentos aconteceram nessa região. Quando soube do acontecimento da K21-Series
em Pedra Azul, racionalmente pensei que a logística seria muito melhor do que
participar da XC-Búzios, mas logo acendeu uma chama de estar nessas montanhas e
pus-me a imaginar as vistas e a sensação de aumentar uma já tão íntima relação.
Minha preparação física e mental começou com a inscrição no
dia 15 de junho, uma jornada iniciada com incerteza e muito temor; explico-me:
estava com o joelho fraturado devido a uma queda na trilha na 1ª etapa do
Survivor Trip Trail, a 3km da chegada. Se me colocaram diversas escolhas, a 1ª
seria não pular qualquer etapa da recuperação, pois precisaria da melhor
condição clínica para suportar aos treinos. A 2ª escolha abdicar de correr as
10 Milhas Garoto, o que me tiraria a pressão da intensidade e da evolução
obrigatória da distância, pois estava ajustado e numa bela forma para os 10km.
Costumo dizer que a razão tem na escolha do calendário de competições e na
forma da montagem dos ciclos de treinamento, a emoção vem no como leva-los a
cabo. Isso tudo dito justifica-se pelo fato de que devido à fratura só estive
apto e seguro aos treinos de velocidade restando 30 dias para a prova.
Muito haveria de se falar sobre a preparação, mas pela brevidade
que o texto pede, direi que o Trail Run nos proporciona um contato com a
natureza, e uma contemplação para mim mais prazerosa que o correr por correr;
foram meses observando e calculando inclinações e comprimento de encostas mil
nas cercanias da Grande Vitória. Não treinamos eu e a turma da Omega em todos
os lugares que queria, mas encontramos refúgios de grande beleza e dificuldade,
vencidos com muita garra perante à novidade dos desafios!
Na minha última reflexão pré-prova, na noite anterior,
lembrei-me dos treinos e também da muleta que me acompanhou e conduziu por 40
dias nessa preparação, lembrei-me de cada companheiro de treino, das suas
apreensões que se tornaram também as minhas. Algumas horas antes estivemos no
Congresso Técnico da Prova, e foi a única surpresa da prova: a organização não
era mais nem menos que o esperado, simplesmente era aquilo que deveria ser.
Recursos adequados, segurança no próprio trabalho, domínio do trajeto, experiência
e entrega pessoal, em resumo: know-how. Comecei a achar que ali era o meu lugar...
Largada marcada para 9:30, 9:25 anunciou-se que se
postergaria a mesma em 15 minutos e então pontualmente largamos. 2013 é o meu
primeiro ano de competição na corrida e também no Trail Run; na primeira
corrida do ano uma queda e uma fratura. Propus-me uma conduta conservadora e
uma corrida confortável, treinei para correr todo o percurso e em qualquer
situação de terreno, e isso seria meu diferencial no tempo. Os primeiros quilômetros
foram bem lentos, apenas uma aceleração para uma melhor colocação antes da
primeira subida. Larguei pelo meio da turma e a partir da primeira subida na
trilha fomos já cortando os caminheiros. Esse trecho já era velho conhecido,
pois já havia corrido ali na 2ª etapa do Survivor; corrido pela maneira de
falar, pois à 1 dia da minha alta e após 45 dias sem correr àquela época, limitei-me
a caminhar nas trilhas e trotar nos outros trechos. Dessa vez rompi a trilha sem
caminhar, exceto a uns 10 metros no fim do trecho pois o transito tornou
impossível correr. Em seguida descemos e entramos num trecho de eucaliptos, na
primeira bela paisagem da Pedra Azul.
A exigência técnica do percurso foi outro destaque; um
conjunto de uns 500m de subida íngreme primeiro num bosque de pinheiros com sua
cobertura densa das folhas caídas no chão e depois numa escada na pedra. Ali
foi como o nivelamento da prova, colocando cada um no seu devido lugar. A partir
desse ponto ninguém vindo de trás passou o grupo e que eu estava, nem passamos
ninguém que estava muito à frente. Antes da metade da prova outro trecho técnico,
um rampa de pedra e um bosque de árvores antigas e grandes raízes em meio a
grandes pedras num visual digno das florestas povoadas por seres míticos.
Metade do percurso, estava inteiro, sem fadiga, comecei a
ganhar confiança. Já há 10 km com o Mp3 no pescoço, pensei em liga-lo, mas
decidi ainda curtir o clima da prova. Tomamos a direção da Rota do Lagarto, um
trecho de pavimento. Um trecho inclinado até a sede do parque e um trecho de
queimar as pernas mais fortes após o Fjordland e então descemos até sairmos da
rota e voltarmos aos eucaliptais, pastos, plantações de inhame; um outro belo
bosque de ipês e manacás-da-serra onde nem trilha havia, apenas as marcações e
os competidores da frente balizavam o caminho. Depois um curso d’agua colocado ali
para tirar tempo dos mais calorentos e desconcentrar os mais arrojados. Mais um
posto de hidratação, o terceiro. Costumo treinar e correr com os próprios
recursos, não havia me servido até então. Procurei uma goiabada, e como não
tinha, peguei uma paçoca. Depois do km 15 fiquei mais confortável, estávamos de
volta à Rota do Lagarto a cabeça sonha com um trajeto pelo pavimento até a
chegada; ledo engano!
Desvio na estrada e somos jogados para dentro de um pasto,
sim um pasto de capim alto e subindo. 3 passadas e uma súbita cãibra no adutor
direito, apesar de não estar sentindo nenhuma fadiga importante. Controlei e
segui sem parar subindo pelo pasto em direção à pedra que dá nome à região. Passamos
a uns 50m dela. Depois da cãibra uma certa preocupação se abateu sobre mim,
teve uma hora que até desânimo de ligar a câmera bateu. Como companheiro em
quase toda a prova meu amigo Rafael Negão. Na descida subsequente em direção à
Rota do Lagarto suas panturrilhas paralisaram-se em cãibras; uma rápida manobra
e o recoloquei na corrida. Nos esgueiramos por dentro de uma porteira e
ganhamos o pavimento novamente. 2 km para o fim, acelerei. Uma subida e uma
descida me separavam da porteira da pousada que sediava a prova. Muitas sensações
vêm me saudando pelo caminho a cada passada para o fim. Lembranças dos treinos
e das renúncias, do tempo que privei minha família da minha companhia por causa
dos treinos. Acelerei mais. Gratidão à disciplina, à coragem de cumprir nos
horários de folga e janelas das aulas os meus treinos extenuantes. Lembrança da
perplexidade dos transeuntes perante as infindáveis subidas e descidas naqueles
trechos de subidas que todos evitam. Um último agradecimento a Deus pela fé que
me conduziu perante as dificuldades de todo o processo. Comemorava internamente
a conclusão da prova e da jornada que me conduziu até aquele momento. Uma
última alegria foi a recuperação do Rafael que tinha ficado para trás nesses
últimos quilômetros. Surpreendente para mim foi sua aproximação, segurando
minha mão e entramos juntos na área da chegada, saudados por nossos amigos e
demais presentes. Foi uma experiência edificante concluir esses 21km, e apesar
de tantos anos de atleta em várias modalidades, estava muito emocionado! É uma
vitória do corpo e da alma.
2013 foi um ano fantástico, profissionalmente e
esportivamente, daria um livro. Certamente o capítulo mais importante foi esse
processo de chegar até a K21. Meus amigos e alunos poderão estranhar, pois
houve provas com conquistas e vitórias; mas a K21 Pedra azul se destaca pois
definiu meu caminho à frente. Vai mudar o meu jeito de treinar e conduzir
treinos, meus objetivos e possibilidades.
Foi uma prova fantástica, mas eu não vou dizer a ninguém: vá
lá e faça! Inscreva-se amanhã! Eu vou dizer que eu vou na próxima. Lá não é lugar
para aventureiros, pra quem procura sensações. A aventura vai estar presente e
as sensações serão garantidas, mas é preciso escolher esse caminho e encarar um
jornada, sim, de treino duro, mas uma jornada pessoal de conquista da montanha,
da distância, da integridade física para enfrentar qualquer obstáculo que o
caminho lhe apresentar, de suportar calor, frio, seco e molhado. A citação que
abre o texto agora faz outro sentido. A gente se encontra nessas e noutras
trilhas levando na mochila e nos bolsos determinação e sabedoria. Você é a sua
Melhor Escolha!