segunda-feira, 13 de abril de 2015

Por quê os meus (e talvez os seus) projetos não dão certo?

Há tantos anos envolvido com esportes e atividade física, nos processos de formação e preparação de atletas de competição e também nas questões de saúde, presenciei muitos casos de sucesso e outros nem tão bem sucedidos. Aqui vou discorrer sobre alguns fatores que contribuem para o insucesso de processos na formação de atletas, busca de resultados esportivos, na manutenção é promoção da saúde e nas mudanças de composição corporal, sejam o emagrecimento ou aumento de massa corporal.

Erro no propósito - angariar um título pela excelência do seu esforço e condição técnica, reduzir o peso corporal para potencializar o bom funcionamento do corpo, outrora perdido para o sedentarismo são exemplo de acerto entre treinamento e propósito. Os processos fluem corretamente pois há uma confluência dos fatores para uma meta ajustada. Acontece de haverem confusões nos propósitos: atletas ou indivíduos que buscam notoriedade pessoal através da vitória ou de mudança no aspecto corporal se perdem no narcisismo, nos primeiros elogios e geralmente se desviam da motivação do treino; atletas e equipes que se concentram em sobrepujar este ou aquele time ou atleta desfocam do universo do certame e tropeçam após alcançar um sucesso intermediário ou sucumbem pelo fato das tabelas não proporcionarem o confronto-foco.

Infra-estrutura - vou me ater ao aspecto da constituição física. Muitos projetos, principalmente de atletas tardios (aqueles que não passaram pelos processos de formação da infância e juventude nas escolinhas) e mudanças na composição corporal esbarram na falta de memória de condicionamento, coordenação motora e qualidades físicas, principalmente por não dispor de tempo para formação adequada ou por serem submetidos a prazos irreais de consecução.
* atletas e indivíduos que não possuem a memória de condicionamento (em relação a ex-atletas nas mesmas situações) padecem na descoberta das dificuldades inerentes ao treino como suportar a carga intra-treino e a fadiga pós-treino que carregará nas atividades quotidianas;
* algumas modalidades dependem muito de algum nível de coordenação motora (esportes, dança e modalidades de ginástica entre os mais comuns) e a simples incapacidade, mesmo que temporária, de executar as rotinas propostas, se de um lado atrasam consideravelmente aspectos como a queima calórica proposta, por outro caem como uma bomba na motivação do praticante;
* a baixa competência em qualidades físicas como força, resistência e alongamento por exemplo resultam em pequenas lesões (na melhor das hipóteses), mesmo em programas mais cuidadosos, que afastam os indivíduos das sessões de treino e assim dos resultados, prejudicando mais uma vez a motivação;
* o fato de ter que conviver com músculos queimando, hipóxia (sensação de falta de ar), hipertermia, suor excessivo e cãibras entre outros é para certos indivíduos o oposto do bem-estar procurado; não dá para ignorar o imediatismo de sensações que nossos alunos buscam quando eles não suportam essas condições de execução. Esse foi o maior fator de desistência que convivi nesses anos;
* enfim, prazos irreais de consecução de objetivos, mudanças de prazos baseados em ansiedade, e falta de franqueza (por parte do profissional envolvido) na constatação da necessidade de postergar prazos têm gerado muito ruído nesses processos que estamos discutindo. Há sempre uma pressa envolvida; tem que ser nessa temporada, nesse campeonato; quero perder 10kg em 1 mês; onde está a hipertrofia prometida? ansiedade, pressa, imediatismos apenas colaboram para desconforto no processo frustrações no processo e em alguns casos na busca de subterfúgios para adiantar o resultado.

Ansiedade - está presente em muitos aspectos desde o planejamento, passando pela execução e se manifestando mais propriamente quando cega diante dos pequenos sucessos, tão importantes na formação da motivação, pois leva ao contentamento relacionado ao objetivo final. A ansiedade dificulta todos os processos pois leva a ultrapassar limites de segurança e fases de evolução, atrapalha a convivência e superação das pequenas lesões.

Imaturidade - ansiedade (sempre ela), carências, insegurança, busca de aceitação, desmotivação, baixa auto-estima, manias, medo, egocentrismo, são obstáculos comuns e inerentes aos processos de treinamento na infância e adolescência. Quando se apresentam na idade adulta compõem o desagradável quadro de imaturidade, que passeia por vários níveis. É interessante para os treinadores saber a hora de indicar a condução do processo para profissionais da área de saúde competente.

Falta de perspectiva - buscar resultados irreais para a condição atual, prazos curtos demais, resultados baseados em condições de terceiros revelam uma falta de perspectiva que vai ser determinante no emperramento da relação atleta x treinador; processos de emagrecimento e treinamento de corredores têm sido os campeões nessa incorrência e influem na desmotivação em ambas as partes envolvidas.

Influências externas - conselhos, opiniões de gente que não está diretamente envolvida nos processos de treinamento seja qual o objetivo podem ser fatores de insucesso; vou exemplificar com 2 situações:
* pais de jovens atletas, entusiastas do esporte, atropelam o processo de treino com conselhos, direcionamentos e até com sessões de treino complementares. Adotam posturas de cobrança desvinculadas com o processo de evolução baseado nos princípios de treinamento desportivo, que sabidamente eles não dominam. Entre o "ego" do treinador na certeza do trabalho bem planejado e executado e o "direito" de intervir que o pai jura ter, está o jovem que acumula fracassos e decepções;
* emagrecimento, e geralmente no caso de mulheres ocorre a intervenção das amigas, com o famoso "você já está magra demais" ou dos parentes "você está com cara de doente". No primeiro, acontece de pessoas frustradas na incompetência no próprio emagrecimento deixam a inveja aflorar, sabotando as "amigas";

Visão de mundo - a visão de mundo vai determinar a ousadia do processo e a grandeza do resultado. Quem pensa pequeno vai ter dificuldade para grandes transformações; quem baseia suas convicções na busca de conforto e facilidade, ao se deparar com os desconfortos do treinamento se decepcionará; quem se baseia hermeticamente na auto-condução vai bloquear a contribuição de um profissional contratado para direcionar o treino. Insegurança emocional e medo sempre se mostrarão como bloqueio na transposição dos níveis de evolução. Segurança emocional baseada no elogio (ou falsos elogios) vai se tornar insegurança quando o indivíduo deixa de suplantar rendimentos já alcançados (você não vai conseguir um elogio sincero se não superar o que já conseguiu).

Expectativas muito altas - alimentadas pela ansiedade (de novo?) geram frustrações equivalentes - grandes expectativas, grandes decepções. Objetivos intermediários são fontes de pequenas vitórias que construirão a vitória final. O bom gerenciamento das expectativas vai construir o equilíbrio emocional e físico necessário para um(a) campeão(ã) na vida e no esporte.

Má utilização de recursos - eis um campo muito interessante: o dinheiro necessário para chegar lá, quanto custa uma vitória: desde aqueles que acreditam que só se alcança uma meta com muito dinheiro e patrocínios até gente que corre uma corrida de montanha de chinelos, já vi e ouvi muita coisa, ressalto esses:
* mais barato - gente que reclama do valor dos equipamentos, provas e assistência profissional mas gasta muito dinheiro em carros, bebida e comida; gente que não paga nutricionista pois é caro, pede desconto ao treinador, mas tem sempre um tênis novo e gasta uma nota na loja de suplementos; destaque para os que nivelam pelo menor valor: sites da china, auto-treino, equipamentos mais baratos ou em promoção, academia mais barata, informações de internet;
* mais caro - acham que seu dinheiro compra resultado: equipamentos mais caros, academia badalada, treinador da moda ou blogueiro, competições no interior... mas não tem frequência aos treinos nem aquela garra necessária para superar os desafios;
* sem recursos - fico muito satisfeito quando contemplo pessoas que têm pouco recurso para o treino e os componentes acessórios, mas conseguem belíssimos resultados consolidados pelo tempo, sem o glamour dos personal trainners, nas academias de bairro, nos serviços púbicos de orientação ao exercício e formação de atletas, simplesmente levando a sério e gastando com racionalidade.

"Do it yourself" - uma tendência moderna num mundo que não precisa de mestres, o faça-você-mesmo tem se disseminado, potencializado pela internet. Ignora os pressupostos científicos desenvolvidos por séculos que fundamentam o Treinamento, a Nutrição, a Medicina, a Fisioterapia envolvidos nos processos de treinamento. Não é necessário se alongar em muitas palavras sobre a eficiência dos processos orientados de evolução. Nem um "fora-de-série" conseguiria se destacar sem o suporte profissional: quem seriam Michael Jordan, Michael Phelps, Messi se treinassem baseados em vídeos do youtube?

Hora certa - "O tempo deixa perguntas, mostra respostas, esclarece dúvidas, mas, acima de tudo, o tempo traz verdades."  Muitas vezes nos cobramos pelos nossos insucessos, muito frequentemente por não percebermos que ainda não chegou a hora certa. Quanto tempo se desenvolve a maturidade, quantas horas de prática levam à excelência numa habilidade, quantas derrotas prenunciam uma vitória. Vejo muita gente vencendo na vida e na atividade física, não conheço pessoalmente nenhum fenômeno, nenhum fora-de-série; os vencedores da vida real são pessoas que treinam antes ou depois do trabalho, que se entregam ao treino, que aprenderam a conviver com o desconforto, que dividem o tempo entre a família, seus objetivos pessoais e eventualmente com a vida social; gente que ama o que faz; gente que dorme muito pouco; gente que aprendeu a comer com moderação; gente que saiu da zona de conforto, gente que não tem tempo pra se desviar do foco. Os vitoriosos que eu conheço convivem diariamente com suas perdas e derrotas mas valorizam no fim do dia um pequena vitória que os impulsionará a pular da cama atrás da próxima vitória.

Se eu fosse você ia treinar!